Um telão, meia-luz, esteiras e almofadas no chão, tochas de fogo, velas, círculos de sal grosso, cheiro de acarajé, tambores e outros instrumentos aguardavam o público em um clima mistério e simbolismo em pleno centro histórico de Lençóis, na Chapada Diamantina.
No último sábado (05), moradores e visitantes tiveram a oportunidade de participar de uma experiência chamada “cine ritual”, promovida pela produtora lençoense Montanhas Filmes. No Teatro de Arena, o longa-metragem “Híbridos: Os Espíritos do Brasil” retratou, de forma sensível e ao mesmo tempo intensa, as manifestações espirituais presentes na cultura brasileira.
Para trazer ao ambiente as influências regionais dentro do tema da espiritualidade, houve uma breve apresentação com personagens míticos da cultura local, com as figuras do garimpeiro, de orixás, um Pai de Santo e os tocadores do reisado, com direito a banho de alfazema e toques de tambor protagonizados pelos percussionistas Bel da Bonita, Mestre Lua e Ramiro Barbosa.
Com 90 minutos de duração, assistir ao filme é como uma meditação, já que a obra não possui diálogos. No lugar de falas e letreiros, o convite a um mergulho em planos bem fechados de rostos, mãos, pés, expressões e símbolos embalados pelos cantos e toques precisamente encaixados às cenas, dando ainda mais profundidade às imagens.
Após a exibição do filme, os diretores Priscilla Telmon & Vincent Moon comentaram a respeito da pesquisa e produção do filme, que levou quatro anos para ser concluído, além de responder a perguntas do público.
Híbridos, os espíritos do Brasil
A obra desvela um dos grandes assuntos da nossa geração – a espiritualidade em voga em nossa sociedade e o seu epicentro é o Brasil. Desde a maior procissão católica do mundo a um desconhecido ritual indígena no Mato Grosso, de passes de cura em centros espíritas a novos rituais com ayahuasca em São Paulo, o documentário revela os laços fraternos entre curandeiros, xamãs, místicos, devotos e iniciados. Sem comentários, o filme é uma jornada musical através dos diversos rituais, enquanto tece, aos poucos, um novo ritual – um ritual cinematográfico.
Dirigido e produzido pelos cineastas e pesquisadores franceses Priscilla Telmon& Vincent Moon, co produzido pela brasileira Fernanda Abreu, HÍBRIDOS foi criado de uma maneira totalmente independente, fora dos padrões do circuito tradicional. Essa metodologia permitiu de oferecer todos os filmes às pessoas que filmamos, eles podem usar esse material para celebrar suas culturas, e permitiu que o projeto evoluísse organicamente e, aos poucos, tomasse suas formas.
O longa metragem é uma parte de um projeto trans-cinema que inclui este website, uma vasta coleção de álbuns digitais e curtas, experiências de cinema ao vivo ao redor do mundo e instalações multi-telas imersivas.
Montanhas Filmes
A produtora de cinema independente com sede há mais de dez anos em Lençóis, fundada e dirigida pelo cineasta baiano Marcelo Abreu e pelo produtor Rodrigo Rodowicz, em 2019 abre seu campo de atuação e vai além da produção audiovisual. A nova proposta é criar um espaço de encontros com outros artistas e criadores, tendo como fio condutor o próprio processo criativo. São encontros partilhados, com diferentes linguagens, fazendo da produtora uma catalisadora de experimentos, de conexões, provocando, a partir do encontro de partilhas, uma nova experiência artística, uma aliança criativa e de produção.
A experiência realizada com a exibição do documentário Híbridos, na antiga ruínada basílica da Nossa Senhora de Conceição – padroeira da cidade de Lençóis, onde mortos ali jaz enterrados, foi além de exibição do filme, fez do espaço um ritual que dialogava com a obra, numa experiência ritualística, de espiritualidade, crenças e fé local, trazendo uma força e carga espiritual ao experimento.
A vontade dessa realização surgiu após o encontro dos cineastas independentes Vincent Moon e Marcelo Abreu, numa aproximação do diretor francês sobre o documentário Curandeiros do Jarê, uma produção da Montanhas Filmes lançado em 2010, premiado como Melhor filme baiano no Panorama Internacional Coisa de Cinema 2011, Menção honrosa no Primeiro Festival de Documentários de Cachoeira – Bahia 2011 e melhor documentário no Bahia Afro Film Festival 2011.
Cinema ao ar livre
Este conceito de cinema ao ar livre estruturado no Teatro de Arena foi elaborado pela Cinepoètyka para o projeto Cineclube Fruto do Mato em 2017, quando foram exibidas 26 sessões seguidas de debates com cineastas, diretores, roteiristas, entre outros profissionais. Fique ligado, em breve o Cineclube Fruto do Mato voltará às sessões de cinema ao ar livre em Lençóis.
Apoios
Agradecemos de coração à Prefeitura municipal de Lençóis, à Cinepoètyka pelo empréstimo do material do Cineclube Fruto do Mato, ao restaurante cozinha aberta, aos Artistas da Massa e o Fuxico Galeria.
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