O Jarê, religião de matriz africana exclusiva da Chapada Diamantina e marcada pelo sincretismo e pelas influências locais, ganhou novo destaque com o tombamento do Terreiro Palácio de Ogum e Caboclo Sete-Serras como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão do IPHAN reconhece a importância histórica, simbólica e arquitetônica de um dos espaços mais representativos dessa prática religiosa nas antigas Lavras Diamantinas.
Praticado apenas na Chapada Diamantina, o Jarê é um candomblé de caboclo que combina elementos africanos, indígenas e católicos, refletindo séculos de sincretismo e criatividade religiosa.
Mais do que um conjunto de rituais, o Jarê é uma força cultural que reúne espiritualidade, modos de vida, cantos, danças, curas e narrativas transmitidas entre gerações. Seu desenvolvimento está profundamente ligado às histórias garimpeiras, às festas tradicionais e às expressões populares da região.
Uma de suas casas mais importantes é o Palácio de Ogum, às margens do Rio Capivara, considerado um rio sagrado onde curandeiros realizavam rituais e práticas de cura. O reconhecimento do IPHAN alcança não apenas a estrutura física, mas também as práticas que dão vida ao Jarê.

Foto: Açony Santos.
O terreiro tombado não representa apenas uma construção; é um centro de memória e espiritualidade que reúne práticas transmitidas entre gerações. Localizado próximo ao Rio Capivara, em Lençóis, o Palácio de Ogum é considerado uma das casas mais influentes do Jarê, guardando rituais, objetos sagrados e modos de vida que ajudam a compreender a formação cultural da Chapada.

Foto: Açony Santos.
Grande parte da força do Jarê na Chapada está ligada à trajetória de Pedro de Laura, uma das figuras mais marcantes da história religiosa da região. Curador, mestre de obras e líder comunitário, ele comandou o Palácio de Ogum desde os anos 1950 e influenciou praticamente todas as casas de culto de Lençóis e localidades próximas.

Pedro de Laura com aproximadamente 50 anos. Arquivo do site cantigasdojare.com.br
Conhecido pelos rituais, cantigas, danças e feitos que permanecem na memória coletiva, Pedro de Laura deixou um legado espiritual profundo que ainda orienta os praticantes e mantém o terreiro como um espaço de grande relevância cultural.
O tombamento do Jarê também reconhece seu papel dentro das tradições das antigas Lavras Diamantinas, onde festas religiosas, marujadas, ternos de reis e filarmônicas celebram, há décadas, a fé das comunidades de Lençóis, Mucugê, Palmeiras e Andaraí.

Tambores do Jarê. Crédito: Sandoval
Para o viajante que busca experiências autênticas, o Jarê revela uma Chapada Diamantina que vai além das paisagens naturais: uma região pulsante de ancestralidade, saberes e rituais que ajudam a contar a história de seu povo.
Saiba mais sobre as tradições culturais e religiosas da Chapada Diamantina
Turistas interessados em conhecer o Jarê podem visitar o Palácio de Ogum mediante agendamento com Sandoval, filho de Pedro de Laura.
As visitas acontecem qualquer dia da semana até as 14h e incluem:
– apresentação dos tambores e instrumentos
– explicações sobre o Jarê e suas origens
– história de Pedro de Laura e de outros curandeiros
– visita guiada às instalações do terreiro
– introdução ao mapeamento dos terreiros da região
– caminhada até o Rio Capivara, reconhecido como rio sagrado e parte fundamental dos rituais de cura
Para agendar visitas, entre em contato via WhatsApp ou via Instagram.
O processo de documentação que acompanha o tombamento inclui um mapeamento atual dos terreiros e curandeiros das cidades de Lençóis, Andaraí, Itaetê e Utinga, revelando a amplitude do Jarê e fortalecendo sua preservação para futuras gerações. O trabalho identifica comunidades, tradições, trilhas sagradas e memórias que seguem vivas na região.
O IPHAN ressalta que proteger o Jarê significa proteger não apenas o terreiro, mas todo o conjunto de práticas, símbolos e relações comunitárias que fazem essa religião existir.

Corimbas (tocadores) do terreiro (da esquerda para direita): Vani, Deva, Corró. Ao lado: Lambão (de azul), Lafaiete, João Toco (mão no queixo).
Arquivo do site cantigasdojare.com.br
O reconhecimento reforça a necessidade de políticas de preservação para que terreiros continuem resistindo às mudanças urbanas e aos desafios enfrentados pelas expressões afro-indígenas na região.