Visitado turisticamente apenas a partir do fim da década de 1990, o roteiro para as cachoeiras das Três Barras e Cristais possui um valor especial por não ter sido uma área de exploração garimpeira e pela baixa frequência de passeios turísticos, o que contribui bastante para a preservação de uma natureza praticamente intocada.“É um lugar de natureza selvagem, não foi antropizado por garimpeiros ou lenhadores”, comenta Joaab Rocha, guia que acompanhou nossa equipe durante o passeio. De nível avançado, o percurso de 8km inclui trechos de mata fechada, subidas íngremes e leito de rio.
Apesar de as cachoeiras estarem contidas nos limites do município de Andaraí, o acesso com o trecho de carro mais curto é realizado a partir de Mucugê, a 11km do centro histórico. A primeira parte da caminhada consiste em uma trilha bem característica da Chapada, em meio aos gerais, grandes platôs e alguns trechos de charco (terreno alagadiço devido à presença de nascentes próximas). No trajeto também está presente o capim-faca, por isso não se esqueça de ir de calça, de preferência de poliéster ou náilon.
Casa de Sempre-Vivas
Durante a primeira etapa do percurso, encontramos várias Syngonanthus mucugensis, conhecidas popularmente como sempre-vivas-de-Mucugê. Um privilégio, já que a espécie está ameaçada de extinção. Ela é assim chamada devido a sua capacidade de manter a mesma aparência das flores e continuar reagindo à umidade e temperatura mesmo após serem destacadas da planta.
Com a decadência do garimpo na região, a sua coleta foi uma alternativa econômica para a população local, porém era feita de forma desmedida, sem respeitar o período de polinização. Foram quase três décadas de coleta intensa que quase levaram a sua erradicação. Atualmente, graças ao Projeto Sempre-Viva, há fiscalização para impedir a coleta desassistida, com o objetivo de reproduzir a espécie ao ponto de criar condições favoráveis de geração de renda para a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica, através do artesanato de caráter sustentável.
Bendito fruto
Já no leito do rio Piabas, avistamos a estrela maior do local, o Mucugê (Couma rígida), fruto silvestre que deu origem ao nome da cidade que serviu de porta de entrada para a nossa trilha. Da mesma família da mangaba, é muito saboroso e uma recompensa para a primeira etapa da trilha. (Veja o vídeo no final)
Um banho de cachoeira para relaxar
Após 5km da entrada da trilha, chegamos à Cachoeira das Três Barras, “uma queda d’água singular, porque tem um dos maiores poços da Chapada e é virada para o oeste, com sol praticamente o dia todo”, comenta Joaab. O Poço é realmente gigante! E a nossa equipe teve o privilégio de curtir o poço e todo o roteiro sozinha! Ainda fomos agraciados pela presença da imponente águia-chilena, não vista pelo guia há um bom tempo, cerca de cinco anos
Após algumas fotos e uma parada para lanche, com direito a cafezinho trazido pelo guia, saímos das Três Barras em direção à Cachoeira dos Cristais. Seguimos por uma trilha íngreme de pedras. Pelo caminho, encontramos várias canela-de-ema, planta típica da região e mais alguns pés de Mucugê, com vários outros maduros.
Apesar de o poço não ser tão para bom para o banho como nas Três Barras, devido à grande quantidade de pedras, a escadaria de mais 90m de altura da Cachoeira dos Cristais surpreende. Sem contar com a presença dos “cristais” nas laterais da queda d’água que, de acordo com Joaab, na verdade são quartzos. “O quartzito presente, devido ao atrito da água da cachoeira, perdeu parte do arenito, o que o deixou exposto. Quando está com menos água, o sol bate na parede da cachoeira e ela fica brilhando, uma coisa incrível! Daí o nome.”
“Quando era moleque, a gente fazia exploração destas cachoeiras, mas chegávamos por cima. Começávamos a
caminhada pela sede do Projeto Sempre-Viva e chegávamos na serra por cima. A gente chegava nela, mas não sabia que tinha uma abaixo dela, que era a das Três Barras e as pessoas que conheciam as Três Barras não sabiam que tinha a dos Cristais (risos). Aí a galera de Igatu, Chiquinho e outros, fez o acesso que fizemos hoje”, lembra Joaab.
Após curtir bastante e lanchar mais um pouco, começamos nosso caminho de volta. Mas ainda tinha uma surpresa pela frente. Após alguns minutos voltando pelo leito do rio, entramos em uma bifurcação à esquerda e chegamos a um trecho bem úmido, com pedras cobertas de musgo e árvores mais altas que as que encontramos pelo caminho. Um lugar encantado! Mais alguns pulos e chegamos a um pequeno cânion, casa da Cachoeira do Bequinho ou Cachoeira do Rochinha, como prefere chamar Joaab. Na sua opinião, foi o antigo guia Rocha que primeiro visitou o local. Com pouquíssima luminosidade, o rio é de água muito gelada.
Seguíamos pelo caminho de volta, mas as surpresas ainda não tinham acabado. A última foi inesperada até pelo nosso guia! A 1h mais ou menos da rodovia, onde o carro nos esperava, avistamos um grupo de caititus ou porco-do-mato, que podem ser bem agressivos se incomodados. Corremos por algumas dezenas de metros até nos sentirmos seguros. Ao passar pelo local novamente, encontramos o rastro. Todos tinham descido em direção ao rio. Pelas pegadas, uns 15 animais no total. Era a dose que faltava para terminar a aventura!
No vídeo a seguir, o guia Joaab Rocha apresenta o fruto do Mucugê:
Nossa equipe foi conduzida por Joaab Rocha, guia de montanha da cidade de Mucugê/BA, na Chapada Diamantina.
Contatos de Joaab: +55 77 8134-0058 (WhatsApp) / Facebook: www.fb.com/joaab.rocha