Do Arizona, nos Estados Unidos da América (EUA), a Lençóis, Chapada Diamantina/BA, Brasil. Biólogo e doutor em botânica, Roy Funch “montou acampamento” no nosso país em 1977, quando foi aprovado para ser voluntário do Corpo da Paz (Peace Corps), grupo norte-americano que presta serviços aos países em desenvolvimento, com base no intercâmbio cultural. Ele pouco conhecia do Brasil.
“Era um típico americano! Não sabia que aqui se falava português e imaginava que Brasília estava numa clareira na floresta amazônica. Fiquei tão decepcionado quando vi que a capital do país era no cerrado”, lembra.
Ao lado de três especialistas em animais, Roy foi trabalhar com planos de manejo nos parques nacionais, através do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), atual Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
“Ficava cinco dias em campo e cinco semanas no 13º andar de um prédio no centro de Brasília. Não era o que eu queria ou imaginava de um país tropical e exótico como o Brasil. Então pedi transferência e fui trabalhar numa universidade em Recife. Também não me identifiquei! No São João, a turma do Corpo da Paz resolveu viajar para a Bahia, para fazer trekking na Chapada Diamantina, prática que ainda não era comum no Brasil. Fomos à Cachoeira Glass (da Fumaça). Ainda no ônibus, pensei: ‘É aqui!’ Os amigos foram embora, mas eu fiquei mais alguns dias, procurando casa para alugar. Voltei pra Recife e arrumei as malas!”, descreve.
Desde o século XIX, Lençóis sobrevivia da prática do garimpo artesanal, conhecido como garimpo de serra. Quando Roy chegou, a atividade já era decadente, mas ainda predominava na economia local. Encravada no Semiárido nordestino, a cidade estava repleta de crianças e idosos, pois os jovens e adultos costumavam migrar em busca de melhores opções de trabalho.
“O que mais chamou minha atenção foi a natureza e os garimpeiros. Me criei assistindo filmes de bang-bang e achei o cenário de Lençóis muito parecido: homens caçando, com espingarda nas costas, morando nas tocas e abrigos de pedra, era algo totalmente romântico do ponto de vista histórico. Eu só andava com eles! Fazia foto de flores e das paisagens… Passava o tempo todo na serra e os garimpeiros gostavam porque, talvez, eu tenha sido a primeira pessoa a dar valor ao seu estilo de vida”, comenta.
Na década de 1980, o garimpo de draga se estabeleceu na região. “Era horroroso! Desmatava, lançava diesel no ambiente… Mas a renda dos moradores melhorou, as pessoas começaram a comprar carros, abrir restaurantes. Quando o governo proibiu essa prática, o garimpo já havia capitalizado a região, tendo papel importante no início do turismo”, pontua Roy.
Peça-chave na criação do segundo maior parque nacional do país, o da Chapada Diamantina (PNCD), seu primeiro ofício na região foi o de guia, ao lado da tradução, especialmente de artigos científicos, e do artesanato em pedra e vidro. Na década de 1980, o Instituto Mauá se instalou em Lençóis e, com a sua primeira esposa, artesã, Roy se arriscou na arte de transformar pedras brutas em belos e autênticos relógios. Ele também foi pioneiro na produção de camisetas e cartões-postais sobre a Chapada Diamantina.
“Por muitos anos eu vivi do artesanato. Atualmente estou com uma loja na Rua da Baderna. Trabalho com vidro, fazendo luminárias e outros produtos”. Com o incentivo dado ao turismo por parte do governo da Bahia, naquele mesmo período, foi inaugurado o primeiro hotel estadual em Lençóis. Os visitantes procuravam por um guia e começaram a indicar “o americano que tanto gosta de andar na serra”.
“Os garimpeiros conheciam as trilhas, mas faziam isso para sobreviver. A natureza não era prazerosa, as pessoas não tinham o hábito de contemplá-la. Ocorre que os meninos da cidade começaram a me seguir e observar o que eu estava fazendo. Não entendiam como o ambiente natural chamava tanto a atenção dos turistas. E melhor, perceberam que ainda podiam ganhar dinheiro com a atividade de guia. Eles sacaram que era um bom negócio. Enquanto os pais estavam na serra, caçando, queimando, erodindo, não por maldade, mas por sobrevivência, porque assim era a atividade do garimpo, os filhos estavam guiando, apagando fogo e ajudando na preservação. Em apenas uma geração, houve uma grande mudança na mentalidade dos habitantes: do extrativismo à preservação! O turismo passou a garantir a renda das famílias: mesmo que os pais não encontrassem um diamante por meses, os filhos eram remunerados pelo serviço de guia e sustentavam o lar. Na época, dei aulas para formação dos primeiros profissionais e lancei o livro ‘Um Guia para a Chapada Diamantina’, com diversas dicas”, destaca Roy.
Um verdadeiro andarilho, o biólogo teve um insight ao fazer a trilha de Lençóis ao Vale do Capão. “Pensei: se fosse na Europa ou nos EUA isso aqui certamente seria um Parque Nacional! Como havia trabalhado com o IBDF, a primeira coisa que fiz foi escrever uma carta, em 1979, para Brasília e comecei a fazer campanha sozinho. Os contatos que eu tive como guia, com representantes do poder público (senadores, governadores…) contribuíram diretamente para a criação do Parque, que aconteceu seis anos depois, em setembro de 1985”, declara.
Primeiro diretor do Parque Nacional da Chapada Diamantina, Roy permaneceu no cargo por seis anos e logo se tornou cidadão brasileiro. “Passei o tempo todo espalhando a palavra do Parque, como um evangelista, e tentando ser visível para as pessoas. Era apenas eu! Uma das ações que fizemos foi diagnosticar a situação da coleta da sempre-viva. Mas não instituímos nenhuma mudança, naquele momento”, pontua. Dentre os cargos públicos que ocupou, esteve o de fiscal do garimpo, secretário de turismo e do meio ambiente.
Precursor de muitas ações na Chapada Diamantina, inconscientemente, o típico norte-americano se tornou um característico brasileiro, e melhor, apaixonado pelo rico patrimônio natural do nosso país. Pai de cinco filhos e casado atualmente com a botânica Ligia Funch, Roy construiu sua história de vida no coração da Bahia, lugar que escolheu para fincar raízes ou, quem sabe, que o escolheu para ser protagonista de uma grande história.
Quando indagado sobre o interesse de retornar à terra natal, ele responde: “Vou aos EUA apenas pra visitar parentes e amigos. Mas pretendo permanecer no Brasil. Aqui é muito bom. Existem muitos problemas, mas na Chapada a vida é boa. É uma região pequena, mais fácil para viver em harmonia com a natureza”, conclui.
Autor de livros e diversos artigos científicos, Roy Funch tem uma vasta bibliografia. Para os que ficaram com um gostinho de quero mais e pretendem se aprofundar na história dessa personalidade, bem como da Chapada Diamantina, selecionamos algumas opções de leitura:
Leia também Parque Nacional da Chapada Diamantina completa 30 anos de existência e assista à entrevista com Roy Funch no nosso canal do YouTube. Aproveite para acompanhar a série de matérias especiais em comemoração ao aniversário do PNCD. Na próxima semana, será a vez de conhecer “A arte de trilhar”.