Seis estratégias para o turismo pós-pandemia na Chapada Diamantina

A Chapada Diamantina, enquanto destino turístico, está de frente para um dilema semelhante ao que viveu nos tempos do garimpo. O diamante agora é o turismo de natureza. O turismo, assim como o garimpo, causa diversos efeitos e impactos, tanto ambientais quanto sociais. E assim como o garimpo, pode significar o triunfo ou o declínio de uma região inteira. Mas será que a Chapada Diamantina vai aproveitar a oportunidade para alavancar o turismo e expandir seus benefícios em longo prazo ou vai deixar que outros destinos saiam na frente e levem a demanda turística para outros Parques Nacionais?

Morro do Manoel Vitor, no Vale do Pati | Foto: Caiã Pires

Morro do Manoel Vitor, no Vale do Pati | Foto: Caiã Pires

Outra semelhança com o garimpo é que os atrativos turísticos também “diminuem” se forem utilizados de forma desordenada. Se a experiência turística for de superlotação, sujeira e falta de segurança para o visitante, representar uma “guerra de preços” para os moradores locais e causar a degradação de áreas protegidas, o turismo se torna atividade predatória. Perdendo para outros destinos na escolha do novo turista pós-pandemia. Estamos falando não somente da demanda que já costumava viajar para o destino, mas de uma nova demanda, que costumava viajar para outros países e passará a incluir destinos nacionais nas suas viagens – conforme apontam os estudos de tendências no setor.

Diferente do garimpo, porém, o turismo bem organizado gera o efeito contrário. Se o “consumo” dos atrativos acontece de forma organizada e positiva, mais famosos eles se tornam, mais turistas eles atraem e mais empregos e riqueza eles geram. Além de promover a proteção ambiental e não a sua degradação.

Por mais difícil que pareça, existem ferramentas de gestão para consolidar a Chapada Diamantina como um destino de referência nacional e internacional. Brotas conseguiu. Fernando de Noronha conseguiu. Bonito conseguiu. As Chapadas dos Guimarães e Veadeiros conseguiram e outros Parques Nacionais grandes na Argentina e Chile já estão caminhando a passos largos.

Não quer dizer que esses destinos não enfrentem problemas, mas contam com maior qualidade de vida, fluxo turístico, empregos, valorização e conservação ambiental. E investimentos, claro. Vale ressaltar, destinos que talvez não possuam a beleza e a quantidade de atrativos que a Chapada Diamantina possui. Também vale lembrar, que a região ficou de fora dos investimentos do Programa Federal Turismo Investe no início de 2019. A questão é: as pessoas envolvidas no trade turístico da Chapada Diamantina conseguirão a colaboração e união necessárias para elevar o destino ao patamar de destaque que merece?

O destino está de frente para uma encruzilhada. A Chapada Diamatina vai aproveitar a oportunidade e organizar a atividade turística ou seguir o caminho da superlotação desordenada e deixar que outros Parques Nacionais levem os turistas embora?

Leitura das tendências aplicada à Chapada Diamantina

Conforme exploramos em outro artigo, as tendências do turismo pós-pandemia apontam na direção do turismo de natureza. As pessoas ficaram muito tempo nas cidades, impedidas de se deslocarem e a vontade de viajar para locais ao ar livre, com maior contato com a natureza e sem aglomerações está latente.
Vamos recapitular as 6 grandes tendências para o turismo pós-pandemia no Brasil:
1. Primeiros turistas a retomarem suas viagens serão do público A (com poder socioeconômico alto)
2. Viajantes irão buscar experiências autenticas (fora do tradicional)
3. Turistas terão preferência por destinos sem aglomeração de pessoas, ao ar livre e em ambiente natural
4. A crise nos aeroportos e fronteiras impedirá o turismo internacional por mais tempo e o início das viagens será em regiões próximas dos centros emissivos (estaduais)
5. A preocupação com a segurança sanitária e o cumprimento de protocolos de higiene será grande
6. As viagens de carro próprio ou alugado serão mais comuns

Trazendo a leitura dessas tendências para a realidade da Chapada Diamantina, podemos destacar o seguinte perfil:

1. Turistas com poder socioeconômico alto, vindos de Salvador e outras cidades grandes do estado da Bahia, podendo se estender também para outros estados próximos;

2. Esses visitantes virão, em sua maioria, com seus carros próprios ou alugados;

3. Estão em busca de natureza, experiências ao ar livre, descanso e principalmente: sem aglomerações nos atrativos;

4. Estão dispostos a pagar mais caro para ter uma experiência segura, agradável, sem riscos e que observem a preocupação no cumprimento de normas de higiene;

5. Estavam acostumados a fazer viagens internacionais, mas com as fronteiras fechadas, o dólar alto e os novos procedimentos de aeroportos, estão apostando em destinos nacionais. Principalmente os destinos que estrangeiros vem buscar no Brasil, destinos de qualidade internacional;

6. Essas pessoas desejam ser surpreendidas com experiências diferentes e de qualidade, buscam boas fotos para suas redes sociais (sem superlotação), buscam descanso e vivências únicas que só poderiam encontrar naquele lugar.

Isso significa que não adianta investir no turismo de grupos em vans e ônibus, esse tipo de turismo não deve acontecer até a vacina ou medicação contra o Covid-19 surgirem. A superlotação de atrativos será noticia negativa nos jornais, expondo o destino a crises de imagem. Lembram-se das notícias dos incêndios florestais em 2015? As aglomerações e a falta de cuidados com os protocolos sanitários também podem, de fato, trazer o Covid-19 para a região, causando a temida contaminação nas comunidades – que até o fechamento desse artigo (10/junho/2020) ainda não aconteceu de forma grave.

Ignorar isso, será a fórmula do declínio do turismo, assim como foi do garimpo, para a Chapada Diamantina. Mas ao invés de acabar com uma atividade que era predatória, acabará com aquela que é a atividade econômica que mais gera empregos, que pode trazer desenvolvimento e muitos benefícios, inclusive na proteção ambiental para a região.

Mas como trabalhar para atingir esses objetivos e entregar o que a nova demanda busca? Como consolidar o turismo com essa utopia do turismo sustentável? Não há uma fórmula mágica. Mas como veremos a seguir, podemos olhar para exemplos de gestão de outros destinos similares e extrair aprendizados que nos conduzam nesse caminho.

Destinos similares e estratégias
Vamos citar alguns casos de outros destinos de turismo de natureza. O mais importante desse exercício, é visualizar como estes destinos encontraram soluções, quais as ferramentas que funcionaram e como podem ser adaptadas para a realidade da Chapada Diamantina.

Consolidação do destino

Passeio em Brotas – SP. Foto: Brotas Online

Brotas, no interior do estado de São Paulo é um exemplo de sucesso na ferramenta de consolidação do destino. Alguns pesquisadores chamam essa estratégia de “coopetitividade”, um neologismo para unir as palavras “cooperação” + “competitividade” com o significado de “cooperar primeiro, para competir depois”. Isso significa unir os esforços de todos do trade turístico para consolidar a imagem do destino, com marca, palavras chaves e público alvo definido. Tornando o destino conhecido no principal pólo emissor, a capital do estado, ampliou-se a demanda pelo destino e depois, cada empresa busca o seu cliente. Primeiro aumenta-se o “bolo” para depois dividir as “fatias” – que serão maiores para todos.

Associativismo

Bonito, Mato Grosso do Sul. Foto: Google

Bonito é um exemplo mais complexo, onde a grande pressão do agronegócio na região tornou o  associativismo mais necessário e forte. Vamos destacar as estratégias da tabela de preços, as capacitações dos guias de turismo e a obrigatoriedade de contratar uma agência. Ao tabelar os preços, nivela-se a qualidade dos serviços para cima, acabando com a “guerra de preços” que sucateia a oferta. Ao tornar obrigatória a compra via agência de turismo e os atrativos respeitarem a capacidade de carga, consegue-se controlar a quantidade de pessoas por dia, com reservas antecipadas e de forma bastante organizada, além de gerar mais empregos e garantir a qualidade da experiência – sem superlotação. Os guias recebem diárias dignas, possuem cursos de capacitação periódicos e recebem valores tabelados (que variam entre um valor por pessoa em cada atrativo ou o valor total do dia, dividido por todos os guias que trabalharam naquele dia no atrativo). Os atrativos operam com número previsível de visitantes e dentro das normas ambientais e os visitantes sempre terão uma experiência agradável (sem aglomerações), ou seja, uma equação em que todos ganham.

Gestão de trilhas guiadas e auto-guiadas

Chapada dos Veadeiros. Foto: Google

Nas Chapadas dos Guimarães e Veadeiros podemos destacar a gestão de trilhas guiadas e auto-guiadas. Interessante notar que, para cada cenário há uma solução diferente, demonstrando que não há uma formula mágica, mas sim, um instrumento de gestão aplicado a cada cenário que ofereça resultados positivos.

Veadeiros tem proximidade com outro polo emissor, Brasília. O Parque Nacional também é maior que a Chapada dos Guimarães e enfrenta desafios diferentes, como a necessidade de atender um público com perfil de viajante independente. Nesse caso, restringir a visitação ao parque para o guiamento obrigatório não seria a melhor solução e Veadeiros encontrou na gestão auto-guiada uma excelente resposta. Apesar de, num primeiro momento ter parecido que essa estratégia acabaria com o trabalho dos guias de turismo, o aumento no volume de turistas no destino – atraídos pela liberdade que as trilhas sinalizadas do parque trazem – trouxe mais benefícios do que prejuízos.

O crescimento do número de visitantes aumentou também o movimento de outros negócios, como hospedagens e restaurantes, gerando empregos. Até mesmo para os guias, a gestão auto-guiada foi benéfica, uma vez que muitos atrativos fora do parque requerem a contratação do guia de turismo. Com o aumento dos visitantes no destino, aumentou também a busca por esses outros atrativos, garantindo o trabalho dos guias de turismo e os valorizando como profissionais muito além de “mostradores de caminho”.

Emissão de Vouchers

Chapada dos Guimarães. Foto: Google

A Chapada dos Guimarães sempre sofreu com a proximidade da capital do estado, Cuiabá. O fácil acesso fazia com que o volume de visitantes fosse muito acima do que o ambiente natural poderia suportar, com ocorrências de crimes ambientais, por exemplo, de pessoas que faziam churrascos em cavernas e chegaram a queimar inscrições rupestres. O ICMBio precisou intervir e o Parque Nacional chegou a ficar fechado por anos. A implantação do sistema Ecobooking Sistur compreende uma série de ferramentas de gestão, mas vamos destacar uma delas: cada guia, agência, pousada e outros atuantes no setor turístico, possui seu próprio login no sistema, que está interligado com o ICMBio e controla a emissão dos vouchers de visitação em cada atrativo. É obrigatória a contratação de guia de turismo para entrar no Parque Nacional e cada guia, agência, pousada, pode emitir os vouchers de seus clientes, dessa forma, é possível registrar e controlar a visitação.

Estratégias para a Chapada Diamantina
Com uma qualidade de atrativos de nível internacional, a Chapada Diamantina tem condições de se consolidar como um dos melhores destinos de ecoturismo no mundo. O que falta para isso? Implantação de ferramentas de gestão que levem em consideração os desafios de um destino de grandes proporções. A má notícia é que observamos a falta de técnicos e interesse na articulação política. Mas a boa notícia é que existem ferramentas que podem ser utilizadas pela própria iniciativa privada e civil, que dependem fortemente apenas da união do trade turístico. A pergunta é: a Chapada Diamantina conseguirá gerar a união necessária para ativar as ferramentas de gestão e aproveitar a visibilidade que ganhará no período pós-pandemia?

Para que isso aconteça, vamos indicar as sugestões com base nos estudos de tendências do setor e estratégias de destinos similares, abordadas nesse artigo. Longe de ter todas as respostas para um planejamento estratégico complexo, as propostas a seguir, buscam apenas servir para auxiliar as discussões e decisões oferecendo embasamento técnico de gestão de destinos de turismo de natureza.

1. Associativismo na prática
Os conselhos de turismo municipais precisam sair da discussão dos problemas e partir para a postura de proatividade. Definir grupos de trabalho (GTs) com a participação de atores locais engajados e divididos entre os setores do trade turístico (guias, hospedagens, agências, atrativos, restaurantes, eventos, entre outros). Nessa etapa, deve-se tomar o cuidado de definir representantes capacitados tecnicamente e que representem os setores de forma coletiva e não individual. As demandas de cada setor serão representadas por integrantes dos GTs e a comunicação se torna direta. Tanto no caminho da comunicação do coletivo para dentro do conselho, como ao contrário, levando as decisões do conselho para o coletivo. Depois de fortalecer os conselhos municipais, é essencial fortalecer o conselho regional, criando a Instancia de Governança da Chapada Diamantina.

2. Definição de condutas
Gerar as tabelas de preços é uma estratégia que pode funcionar para melhorar a qualidade dos serviços prestados e gerar renda digna aos trabalhadores. Tabelar o valor das diárias dos guias de turismo (de acordo com suas qualificações e tempo de exercício da profissão ou de acordo com o atrativo, por exemplo) – lembrando que esse tipo de definição deve partir de propostas dos representantes dos próprios guias. Tabelar os valores dos atrativos de acordo com a capacidade de carga (delimitando a quantidade de pessoas por grupo e por dia em cada local). Entre outras demandas nesse sentido (como o valor das diárias de veículos). Acabar com a “guerra de preços” é oferecer condições para todos os trabalhadores terem renda digna e os visitantes poderem escolher o segmento e serviços que preferem;

3. Gestão de trilhas auto-guiadas e guiadas
Com a  definição da tabela de valores, os preços tendem a subir, podendo excluir camadas socioeconômicas em alguns atrativos. É nesse ponto que a estratégia das outras Chapadas entra em cena. Pelo tamanho da Chapada Diamantina, podemos adotar as duas formas de gestão de trilhas.

Eleger algumas trilhas para serem auto-guiadas: com controle de acesso, sinalização, pontos de parada, materiais de comunicação como mapas e de conscientização/educação ambiental, para atender o público que deseja viajar de forma independente ou que não pode pagar para visitar os atrativos privados. Esse público pode não utilizar os serviços de guias de turismo, mas utilizarão as hospedagens, restaurantes e comércio em geral, contribuindo para a economia e geração de empregos no destino como um todo. Por exemplo: o Parque da Muritiba em Lençóis e outras cachoeiras mais próximas das cidades e vilas.

Já as trilhas guiadas são aquelas que devem possuir guias de turismo de forma obrigatória e contar com agências de turismo para a organização e controle de aglomerações. Por exemplo, o trekking no Vale do Pati, a Fumaça por baixo, Mixila e tantas outras. Tabelando os preços e cumprindo a obrigatoriedade, os guias de turismo são valorizados, as agências fazem sua parte no controle da visitação e os turistas aproveitam uma experiência segura e agradável, estando mais dispostos a pagar o valor justo pela experiência, além de promoverem o destino no seu retorno para casa. Um sistema informatizado como o Ecobooking Sistur seria uma boa ferramenta;

4. Controle do voucher único
Essa gestão é o primeiro passo para todo destino de turismo de natureza que deseja organizar a visitação, minimizando os impactos ambientais e garantindo uma experiência agradável ao visitante. Existem muitas ferramentas para esse controle e já observamos que funcionam em exemplos como o Poço Azul e a Lapa Doce que já utilizam a capacidade de carga em suas atividades. Com base em cálculos técnicos, é definido o número de pessoas que podem entrar por vez no atrativo e o número total por dia. A experiência com poucas pessoas é muito mais agradável e valorizada pelo visitante, o ambiente natural não sofre impactos acima do que pode suportar e todos ganham com a organização do atrativo.

Ampliar essa estratégia para outros atrativos, principalmente os que não possuem gestão privada, será implantar uma experiência de alta qualidade que irá gerar um valor de visitação grande, trazendo cada vez mais pessoas para o destino sem aumentar o impacto ambiental. Quem nunca ouviu os turistas reclamarem da quantidade de pessoas no Morro do Pai Inácio, por exemplo? Limitar a quantidade de pessoas por vez, é valorizar o atrativo, de forma que as pessoas estarão dispostas a pagar mais pela experiência e poder aproveitar o atrativo com uma quantidade segura de pessoas.

Para a questão de que o atrativo pode se tornar elitizado com essa conduta, existem ferramentas também para isso: por exemplo, estipular um numero de ingressos gratuitos por dia, em que os interessados podem agendar sua visita (“fila de espera” pelo ingresso solidário).

Controlar a visitação e evitar a aglomeração será imperativo para a retomada do turismo pós-pandemia e decisivo na escolha do destino pelo visitante.

Além dessas, ampliar o “cardápio” de atrativos, organizar a capacitação dos guias de turismo, formatar produtos turísticos inovadores para atrair demandas específicas (como a observação de aves, turismo geológico e trilhas de longo curso, por exemplo), planejar o marketing turístico do destino, entre muitas outras estratégias podem ser implantadas para o desenvolvimento do turismo e o fortalecimento da economia, com foco na geração de empregos na Chapada Diamantina. Mas os primeiros passos, com certeza, estão atrelados ao associativismo e à força da união do trade pelos interesses comuns do setor e não individuais.

A Chapada Diamantina possui todos os atributos para atrair a demanda pós-pandemia e oferecer o que o visitante busca. Organizar o turismo, será a fórmula do sucesso para o destino despontar e ganhar a escolha desse turista nesse momento, mas principalmente, para consolidar a atividade em longo prazo. Cristiana Beltrão, restaurantrice, empresária e cônsul honorária da Nova Zelândia no Brasil, deixou claras as 6 intenções da sociedade pós pandemia no mundo: beleza, natureza, cor, alegria, jovialidade e saúde. O que é que a Chapada Diamantina não tem?

Conteúdo elaborado pela turismóloga Aline Tiagor, do site Go Green Brazil, dedicado aos amantes de Parques Nacionais. Acesse!

 

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