Por Bruno Cirillo/Redação Flora
Dos paraísos buscados por escaladores do mundo, talvez a Chapada Diamantina seja o destino mais completo em relação à diversidade de rochas, cenários e desafios no Brasil. As vias instaladas em locais agraciados por cachoeiras e mata nativa atraem não somente os aventureiros mais ousados na prática do montanhismo, mas também principiantes e famílias interessadas em descobrir as emoções das alturas.
“A região tem todas as modalidades de escalada possíveis, a tradicional, a esportiva e o boulder — só não tem a do gelo”, resume o escalador Henrique Gironha, fundador da agência de turismo Fora da Trilha, de Lençóis, e dedicado a subir montanhas faz dez anos. “Também há diversidade de rochas: arenito, quartzito, conglomerado, e muita área virgem pra transformar em via”, ele acrescenta, sem falar na cobertura vegetal, com bromélias e orquídeas, dos caminhos verticais.
Neste ano, Gironha abriu cerca de cinquenta vias na região do Barro Branco, a quatro quilômetros de carro e mais quinze minutos de caminhada do centro histórico de Lençóis. “Em breve, teremos os croquis”, disse ele, referindo-se aos mapas que ilustram os percursos de fendas e agarras que levam ao topo das montanhas. O escalador afirmou ao Guia que, até o ano que vem, “a promessa da gente é abrir pelo menos 200 vias”.
Os setores de escalada – nome dado aos conjuntos de vias – encontram-se espalhados pelo Parque Nacional: o mais antigo está no Parque da Muritiba, em Lençóis, com mais de 150 vias e croquis já publicados num guia impresso em 2013. No Vale do Capão, os principais estão na Serra da Rapadura e no caminho para o Riachinho, com os mais variados graus de dificuldade e paisagens de arrepiar; o de Lavrinhas, no município de Palmeiras, tem dez vias; e, ao sul do parque, os escaladores podem usufruir do setor atrás da igreja de Mucugê e de outros, como o da Pedra do Juiz, em Ibicoara.
Com normas, sem risco
Desenvolvido ao longo dos anos 2000, o setor do Parque da Muritiba reúne vias acessíveis ao público, destinadas à chamada escalada esportiva. Para lá são levados os turistas que procuram a agência de turismo Nas Alturas, de Lençóis – a única da região certificada pelo Inmetro, conforme as normas de segurança da ABNT para esportes verticais –, e para lá se dirigem escaladores experientes em busca de um dia de escalada ao lado de cachoeiras, salões de areia e outras belezas naturais.
“Na escalada esportiva, o objetivo é a movimentação difícil, a força física e a resistência”, observa o guia André Valladão, que há quinze anos pegou a onda dos paulistas, cariocas e mineiros que vieram à região com o intuito de desbravar montanhas. “Essa modalidade, quando é feita dentro das normas de segurança, é mais segura do que o futebol”, ele afirma, explicando que “grampos fixos na rocha dispensam o conhecimento sobre equipamentos e podem aguentar mais de dois mil quilos cada um”.
Famílias e crianças, portanto, conseguem encaram sem risco a subida. As agências cobram cerca de R$ 150 por pessoa para levar os visitantes ao Parque da Muritiba, com dois guias — um para indicar o caminho, outro para instalar os equipamentos e dar assistência à escalada. O passeio termina com um banho na Cachoeira da Primavera, que fica a meia hora do centro de Lençóis. “A maior parte dos clientes está vindo escalar pela primeira vez, pois quem é escalador já vem com o material próprio e só precisa descobrir onde é a via”, diz um dos sócios da Nas Alturas, Roger Leal.
Era assim inédita a escalada do pequeno Ébano, de oito anos, filho da agente de viagens suíça Magali Bodmer, 42, que mergulhava na Primavera em meados de julho, após ter se aventurado em três vias do Parque da Muritiba com o escalador Valladão. “Eu, como mãe, fiquei muito tranqüila”, disse ela.
Escalada tradicional
Para quem está em busca de aventuras maiores, a solução é ir para vias no meio do mato. Valladão, que é um entusiasta da escalada feita em grandes paredões, de difícil acesso e que exigem grandes volumes de equipamentos, indica que é possível encontrá-las na Serra dos Brejões, em Lençóis, e na região do Guiné, entre os municípios de Palmeiras e Mucugê. “Os paredões da escalada tradicional geralmente ficam escondidos e apresentam riscos maiores. É uma escalada que exige bastante técnica, experiência e preparo. O escalador precisa ser completo”, ele explica.
A primeira via que se tem notícia na Chapada está no Morro do Pai Inácio, cartão-postal de Lençóis, com 120 metros de altura e o 5º nível de dificuldade do esporte. Chama-se Pauliceia Baiana, em respeito ao costume de nomear os caminhos verticais, e foi aberta no início da década de 1990 pelo paulista Renato Torlay. “A variedade da rocha nas falésias e a quantidade de fendas proporcionam ali uma escalada tradicional bastante prazerosa”, descreve Valladão.
“O marco zero da escalada na Chapada foi a via inaugurada pelo Renato Torlay no Pai Inácio. E, a partir dos anos 2000, moradores de Lençóis e gente de fora começaram a buscar outros locais para escalada na região”, conta o presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), Silverio Nery. Aberto na mesma época pelo carioca Ralf Cortêz, outro percurso tradicional encontra-se na trilha para a Cachoeira do Sossego, uma frequentada atração turística da cidade — somente dez anos depois o Parque da Muritiba tornou-se o primeiro setor de escalada esportiva, dando início à modalidade que hoje predomina na região.
O boulder de Igatu
Na Vila de Igatu (município de Andaraí), a cerca de 100 quilômetros de Lençóis, uma modalidade que se destaca é a escalada de bloco, o boulder, que dispensa altura e cordas – sapatilhas, um colchão especial e um companheiro bastam para garantir a segurança do escalador. Nesse caso, a busca é pela dificuldade do movimento e a explosão dos músculos, em rochas de até quatro metros, em média.
Rodeado por formações rochosas de arenito e quartzito, o vilarejo é considerado um paraíso da escalada, com pelo menos 162 vias e 200 boulders, de acordo com a agência Igatu Escalada Trekking. Igatu já foi chamada por atletas de longa data de “Igatulands”, em referência a Rocklands, na África do Sul, um dos lugares mais cobiçados por escaladores de todo o mundo. É lá que se realiza um dos principais eventos do esporte no Nordeste, o Igatuboulder, que contou com a participação de 70 escaladores brasileiros em janeiro.
“Todo montanhista procura um lugar seco para escalar em janeiro. Assim, surgiu a ideia de realizar um festival de escalada em Igatu e saciar a vontade dos esportistas nesta época do ano”, havia dito ao Guia o organizador do Igatubolder, Luís Paulo Silva, o LP, às vésperas da realização do evento. “Aqui é possível escalar todos os dias em um lugar diferente sem precisar pegar o carro, sem falar na quantidade de vias com sombra e ao lado de um rio”, dissera o seu colega Daniel Mendes, diretor comercial da empresa 4Climb.
Em abril, o vilarejo foi escolhido para sediar a 13ª edição do Encontro dos Escaladores do Nordeste (EENE), consolidando-se no circuito brasileiro de escalada. Em 2009, escaladores da região promoveram a criação de uma escola de montanhismo gratuita para crianças e adolescentes do povoado. “Tenho orgulho de ver a evolução dos jovens de Igatu”, comentara o escalador brasiliense Rafael Passos, que participou do Igatuboulder 2013.
Fotos: Açony Jr.