Por Bruno Cirillo / Fotos de Açony Jr.
Intervir num antigo garimpo de diamantes para transformá-lo em espaço de arte e cultura é trabalho duro. Exige a participação de dezenas de voluntários que viajam até o local e se dedicam durante meses às obras, em troca de hospedagem e um passe-livre para o evento. O resultado é um lugar curioso, localizado em Lençóis. Graças aos barrancos escavados na argila branca pela mineração no século 19 e às modernas estruturas de palco, decoração e audiovisual, a Cratera Lunar, como é chamada pelos organizadores do festival Ressonar, fica parecendo uma aldeia na lua. E em dia de festa.
O evento reúne DJs e bandas com influências multiétnicas (músicas indígenas, dos Bálcãs e de países africanos, por exemplo, integram a programação) entre os dias 6 e 12, em cinco palcos. Artistas de circo e de pirotecnia apresentam-se a um público estimado em duas mil pessoas. A abertura ficou a cargo do grupo de maracatu Diamante, de Lençóis, e o hip hop também faz parte da agenda, entre outros estilos. “O bom desse festival é a diversidade cultural. Não fica só na música eletrônica”, diz Taian, de Brasília, que desde agosto faz parte do grupo de cerca de 80 voluntários envolvidos no projeto. O que predomina na agenda dos próximos dias, no entanto, é a música eletrônica, principalmente o trance.
O Ressonar surgiu em 2008 quando o produtor cultural Uirá Menezes voltou da Europa para sua terra natal, a Bahia, inspirado pelos festivais de arte e música europeus. Filho de um organizador de festivais de rock e blues, ele decidiu fazer o seu próprio evento em Lençóis e, após duas edições, resolveu sediá-lo na Cratera Lunar, cujo solo — numa das primeiras minas de diamante exploradas em Lençóis — lhe parecia o cenário ideal para o projeto. “Quando minha família veio para cá e comprou essa terra, em 1978, ninguém sabia o que fazer com ela”, disse Uirá, explicando que a festa é no seu quintal: “a energia elétrica sai da minha casa, num raio de 300 metros, e não preciso desmatar, recuperando uma área degradada”.
[nggallery id=83]
O encontro de comunidades alternativas Rainbow, realizado anualmente em lugares inóspitos no Brasil, e o festival alemão de música eletrônica Fusion inspiraram o Ressonar, segundo Uirá. Os eventos se baseiam em conceitos novo-mundistas, como o reencontro com a natureza e as construções coletivas. Na Cratera Lunar, a comida servida aos voluntários nas semanas de trabalho, iniciadas em agosto, era vegetariana. O açaí será um dos alimentos com maior destaque no festival, sendo vendido numa tenda ao lado da pista principal (no total, 13 barracas de comida formam o “Espaço Gourmet”). As estruturas, decorações e os banheiros secos são feitos com o reaproveitamento de materiais e técnicas de “bioconstrução”. O apelo à preservação do meio ambiente, presente na divulgação do evento, está em harmonia com o princípio do Parque Nacional da Chapada Diamantina, que envolve a proteção de um território de 152 mil hectares.
“Esta terra era totalmente degradada pelo garimpo. A cada edição, vamos dando nova forma e melhorando o lugar, sem nenhuma máquina”, diz o DJ carioca Carlos Eduardo, ou Cadu Cheitanya, que se apresenta no Ressonar desde a primeira edição e participou da revitalização da Cratera Lunar. Desta vez, ele abre o evento com “música étnica”, recriada digitalmente com base na musicalidade de tribos indígenas brasileiras.
Ele fala no “crescimento orgânico” do festival — eram 400 pessoas na edição de estreia, agora os ingressos são limitados a duas mil. “Nosso medo não é de vir pouca gente, mas de vir em excesso”, explica Uirá.
Bem vinda foi a Valéria, 26, de Botucatu (SP), que soube do festival em sua viagem pelo Brasil. “Estou há um ano viajando, conhecendo as chapadas. Na dos Veadeiros, trabalhei na recuperação de um bambuzal”, ela conta, “vim para cá de Goiás, sem grana para o ingresso, e fui convidada para ajudar na organização”. Sua companheira Cristina, portuguesa de 27 anos, vem com a experiência de ter trabalhado no Boom, em Lisboa, a maior referência em festivais de música eletrônica na Europa. “Aqui, por ser menor, o sentimento entre os voluntários é de pertencer a uma família”, ela compara. “A gente está aqui para admirar a beleza do encontro, e mostrar o que a gente sabe fazer”, diz a baiana Maria Anita, 16, que há dois meses está treinando as performances de circo e acroyoga que vai apresentar, em grupo, durante o Ressonar.